É sempre uma tarefa árdua elaborar listas de final de ano, para além da enorme quantidade de lançamentos a que somos submetidos mês a mês nas mais variadas vertentes do rock/metal mundial, ainda corremos o risco de deixar passar batido algum diamante no meio de tanta pedra preciosa. Claro que é preciso ter sempre em conta o carácter subjetivo da avaliação, porém nem sempre a mesma é aceita ou bem interpretada. Claro que o que mais se vê por aí são interesses paralelos influenciando as escolhas, sem falar no sempre presente, jabá. No meu caso, procuro sempre pautar minhas indicações na qualidade e originalidade dos trabalhos, evitando o lugar comum ou popularidade das bandas envolvidas. 

Em 2021 foram cerca de 1500 álbuns para avaliar, e como alguns de vocês devem ter reparado, acabei não publicando o TOP50 global tal como havia feito em 2020 (em anos anteriores era um total de 30 álbuns), mas ao menos fiz 30 indicações nacionais no TikTok, Twitter e Instagram. Este ano consegui me reorganizar com novos critérios de avaliação, e irei compensar com um super TOP100 global em Janeiro! No presente momento tenho na playlist deste ano cerca de 1200 lançamentos, porém excepcionalmente só incluirei álbuns recebidos (digital ou físico) para review  em meus tops. Esta foi uma decisão importante a tomar, visto que não recebo material promocional de grandes selos e/ou gravadoras, e mesmo assim eu acabava incluindo muitos deles nos meus TOPs, consequentemente ofuscando ótimos lançamentos independentes, assim como de editoras de menor porte. O mais incrível é que o nível dos materiais recebidos está tão alto, que nenhum medalhão como Ozzy, Scorpions, Saxon, Queensrÿche, Megadeth, Kreator, Destruction, Ghost, Rammstein ou Shaman farão falta por aqui, muito embora TODOS eles tenham lançado ótimos álbuns no corrente ano.

Por outro lado, a quantidade de álbuns de artistas/bandas do Brasil que recebi este ano foi bem menor do que a média dos últimos 3 anos, e por isto reduzi o TOP30 para um singelo TOP10 de álbuns em longa diração, para além do habitual TOP10 de EPs. Abaixo você confere os álbuns/bandas que ganharam a minha atenção e que recomendo vivamente. Os artistas estão listados por ordem alfabética, com links para vídeos oficiais, e seguidos do estilo musical e os estados a que são originários. Confira alguns deles e deixe a sua opinião nos comentários!

Bare Knuckle - We Used to Bloom [Post-metal, Sludge, Screamo] SP

Bayside Kings - Tempo [Hardcore] SP

Denfire - Collective Insanity [Dark Thrash, Speed Metal] SP

Drámon - Performar Selvagem [Ambient, Electro, Experimental] SP

Forte Norte - Impulso [Rock] SP

Mathagal - Contos da Meia Noite [Groove Metal] SC / EUA

Metade de Mim - Depois de tudo que eu passei [Alternative Rock / Emo] SP

Teorias do Amor Moderno - Cartas para Dario [Indie Rock] SP

The Non-Playable Characters - Post Earth Episode 1 - Autosaving [Prog Rock, Video Game] RJ

Tosco - O Brasil é o Crime [Crossover Thrash] SP

A Banda dos Corações Partidos - Canções de Ódio, Ressentimento e Abandono [Indie rock] SE

Acacia Crown - First Acacia [Folk Extreme Metal] SP

Apnea - Sea Sound [Post-grunge, Stoner rock] SP

Drowned - Recipe of Hate [Thrash Death Metal] MG

Fabio Golfetti - Songs & Visions [Jazz Fusion Rock] BR / UK

Invisible Control - Created in Chaos [Progressive Death Metal] AL / PE / RN

Ivory Gates - Behind The Wall [Progressive Metal] SP

Marenna - Voyager [Melodic Hard Rock] RS

Molho Negro - Estranho [Rock] PA

Ratos de Porão - Necropolítica [Crossover Metal Hardcore] SP

Como afirmei no início deste artigo, a lista dos melhores álbuns nacionais em longa duração está mais enxuta este ano, porém bem mais eclética do que anos anteriores. Do indie rock ao metal extremo, temos estreias interessantes como as do Acacia Crown, Apnea e Invisible Control, bem como os regressos dos veteranos Drowned, Ivory Gates, Marenna e Ratos de Porão. Para apimentar a lista decidi incluir uma pitada de MPB com os sergipanos A Banda dos Corações Partidos, e também uma pitada de jazz com o excelente trabalho solo de Fabio Golfetti, músico que acumula funções no Gong, veterano grupo Francês de prog rock. Curtam sem moderação, e não se esqueçam que em breve soltarei o TOP100 internacional de 2022! Boas festas e até 2023 \m/

Os thrashers suíços do ALGEBRA chegam este ano ao seu quarto álbum de estúdio em longa duração com este ótimo Chiroptera, lançado no passado mês de Setembro pelo selo grego Unspeakable Axe Records. Ativos desde 2008 e liderados pelo guitarrista/vocalista Chaos Edy, apresentam neste regresso um novo line-up com a presença de Victor Brandt (Witchery) no baixo, Nick Abery na segunda guitarra, e Florent Duployer na bateria. Victor é o mais rodado entre os novos integrantes, tendo gravado álbuns com Entombed, Firespawn e Satyricon, assim como guitarrista em tours do Dimmu Borgir, Six Feet Under, e The Haunted, entre outros. Apesar das mudanças, a proposta do grupo se mantém inalterada, um thrash metal vigoroso e bem trabalhado, que muitas vezes nos fazem lembrar o grandioso, e agora extinto, Slayer. No entanto, ao longo dos 10 temas (+intro) do novo álbum, o grupo se mostra antenado a nuances mais modernas do gênero, e não se inibe de pontuar alguns experimentalismos aqui e acolá (blast-beats inclusos), contando com uma ótima e digna produção, provavelmente a melhor de sua carreira.

A nova e poderosa formação do Algebra!

O instrumental sólido e bem trabalhado é o destaque do álbum, mas é preciso dizer que o vocal de Ed Nicod se encaixa perfeitamente na proposta do grupo. Ele tem um registro forte, quase numa linha hardcore, mas que lembra bastante os registros semi-graves de Tom Araya, sem os clássicos gritos agudos, é claro. Aliás, há momentos em que Edy até tenta cantar mais limpo em canções como Constricted (a lá VoiVod), Suspect, Eternal Sleep e The Great Deception por exemplo. A veia melódica do grupo está de fato bem aflorada, principalmente em algumas partes acústicas e principalmente nos solos de guitarras. A sucessão de riffs é no entanto de tirar o fôlego, um constante convite ao headbanging, e dentre as mais bem conseguidas destaco a impiedosa Resuscitation (quase um crossover hardcore) e a fantástica Kleptomaniac,  o primeiro single retirado do álbum, e que pode ser conferido no video abaixo.

A arte da capa, assinada por Adam Burke, também é digna de nota. Trata-se de uma pintura de um morcego pendurado em sua posição de descanso, ele que é o único mamífero (da ordem de Chiroptera) capaz de voar. Nas últimas décadas, descobriu-se que os morcegos atuam também como reservatórios de coronavírus, e podem estar relacionados à origem da pandemia de Covid-19, tema que o grupo explora na canção que dá nome a este ótimo álbum. Confira!

Prong é uma banda de metal crossover formada em 1986 na cidade de Nova Iorque (EUA), tendo lançado 12 álbuns de estúdio em sua carreira. Após 36 anos chegou a vez da tour pela América Latina, com show único no Brasil no próximo dia 12 de outubro, no Fabrique Club, em São Paulo. O show inédito na capital paulista é uma realização da Powerline Music & Books com a Venus Concerts. Assim como em todos os shows do giro latino, a banda de abertura será o Válvera do Brasil. Para uma ocasião tão especial, o vocalista e guitarrista fundador, Tommy Victor, anunciou que será uma apresentação recheada de clássicos da carreira, por isso não faltarão temas de seus influentes trabalhos lançados nos anos 90, tais como Beg to Differ, Prove You Wrong e Cleansing.

Tommy Victor, o líder do Prong.

O Prong combina influências de hardcore e thrash de Nova Iorque com tons industriais e boas doses de groove. Tommy Victor começou com o Prong no anos 80, na época em que foi roadie do lendário CBGB em Nova Iorque. Ele conheceu alguns músicos que frequentavam o bar e que compartilhavam o interesse em criar uma banda de hardcore/crossover. Durante o único hiato da banda (1997-2002), Tommy passou a colaborar ao vivo com músicos como Rob Zombie e Glenn Danzig, tendo inclusive participado das gravações do álbum Circle of Snakes do Danzig, lançado em 2004.

Prong live!

Depois do regresso com Scorpio Rising em 2003, o Prong lançou mais 6 álbuns de estúdio em longa duração, sendo Zero Days (2017) o mais recente. Depois disso ainda foi lançado o EP Age of Defiance em 2019. A banda sofreu inúmeras mudanças em seu line-up ao longo dos anos, e atualmente Tommy Victor é o único membro original. O trio fica completo com o baixista Jason Christopher e o novo baterista Griffin McCarthy, músicos que acompanham Tommy pela América Latina. Show imperdível para fãs de metal alternativo sem programa no Dia de Nossa Senhora Aparecida (feriado nacional) da próxima semana. Nos vemos por lá!

Data: 12 de outubro de 2022

Horário: a partir das 17h

Local: Fabrique Club

Endereço: rua Barra Funda, 1071 - São Paulo/SP

Ingresso: R$ 150 (meia entrada e promocional) - 2º lote

Venda on-line

Classificação etária: 14 anos

E eis que recebo o primeiro lançamento de 2022 em formato físico, The Last Acacia, o álbum de estreia do projeto ACACIA CROWN. O trabalho foi recentemente editado pelo selo Heavy Metal Rock em CD Digipak com arte de capa assinada pelo russo Yaroslav Gerzhedovich, e envolta num belíssimo slipcase com arte assinada pelo vocalista Heverton Souza. Embora tenha recebido o trabalho sem o habitual press release, consegui descobrir que a banda (incialmente um quarteto) agora se promove como um duo composto pelo guitarrista/tecladista Fabricio Sawaya, e o já citado vocalista que também atende pelo codinome Áscaris. Trata-se de um projeto de música extrema experimental que mescla elementos de black, death e doom em suas vertentes mais melódicas, pontuadas pelo uso de teclados, guitarras acústicas, flautas, percussões, e até mesmo um bouzouki (instrumento de origem grega da família do alaúde) que confere um tom avant-garde à sua proposta musical.

Heverton Souza e Fabricio Sawaya

A faixa título é o abre alas do álbum, e traz de cara essa mescla de estilos de forma mais evidente, colocando o ouvinte mais desatento "perdido" em busca do norte em algum deserto do médio-oriente. No entanto é com Behind the Silence que o grupo mostra uma maior solidez de composição, alternando andamentos e intensidade de forma eficaz, e que culminam num refrão bem conseguido e orelhudo. O mesmo não se pode dizer da faixa seguinte The Wait onde o grupo tenta repetir a mesma fórmula num tema mais longo (quase 12 minutos) sem o mesmo sucesso. Em Guilty Dreams voltam a flertar com o experimentalismo de forma satisfatória (voz sobre solos de guitarra dobrados, e dedilhados acústicos) muito embora sirva mais como interlúdio para a fantástica Blast Vaccum, onde temos vocais limpos nas partes acústicas e vocais mais "rasgado" nas partes mais intensas, num equilíbrio perfeito death/doom melódico de excelente instrumentação. Um tema tão bom que parece encaixotado entre interlúdios, desta vez a ótima peça instrumental leva o nome de Clamour Ad Vitam. Na sequência temos Black Wind, a mais black metal 'desenfreado' do alinhamento, porém bem trabalhada e com destaque para os solos ultra melódicos do Fabrício. Confira o video oficial deste ótimo tema abaixo.

Para encerrar o álbum temos Gallery of Lies, incluído como faixa bônus exclusivo da versão física. O tema foi o primeiro single a ser promovido deste álbum, e tal como Behind the Silence (segundo single), convence pela boa composição e ótima execução dos músicos. A melodia do refrão me soou bem familiar, mas a execução vocal do Heverton é bem variada (sobreposta com tons mais graves em alguns momentos) e em geral convincente, sem nunca precisar recorrer aos exageros agudos de um Dani Filth, por exemplo. Talvez por isso a música do Acacia Crown acabe ganhando esse efeito raro na música extrema, que é o de poder cantarolar as letras dos refrões, visto que as melodias da guitarra estão sempre lá de fundo, ajudando a tornar memoráveis esse lote de boas canções. Em resumo, The Last Acacia é um trabalho de apresentação bem produzido e digno de registro, mostrando um grupo confortável em diversas frentes da música extrema, ousado nas experimentações, e o mais importante de tudo, com grande potencial de evolução.

Riffs matadores, acordes dissonantes, vocais inumanos, e velocidade estonteante são alguns dos predicados do mais recente trabalho de estúdio em longa duração do quarteto Francês Otargos. Embora este seja meu primeiro contato com sua música (promo enviado pelo Zach da Metal Devastation PR em Novembro de 2021), acabo de descobrir através do canal oficial da banda no youtube, que há 13 anos faziam sua primeira tour em solo nacional, inclusive tendo seus primeiros álbuns lançados por aqui. Muita coisa mudou em sua carreira desde então, e sua sonoridade inicial (black metal old school) evoluiu para um blackened death metal técnico dos mais bem produzidos, ousados, e incisivos da Europa, igualando-se facilmente a nomes como Behemoth, Vader ou até mesmo a seus conterrâneos Deathspell Omega.

Entre as novidades do novo álbum Fleshborer Soulflayer temos a precisa e veloz execução rítmica de Michael Martin (ex-Exocrine, ex-Fleshdoll) na bateria, e o regresso do guitarrista Astaroth que havia gravado 3 álbuns com o grupo entre 2007 e 2010. O domínio técnico do quarteto impressiona desde os primeiros segundos da hiper veloz Incursion of Chaos (confira no video oficial abaixo) até a mais cadenciada Sentinel que encerra o álbum. Ao todo são cerca de 35 minutos avassaladores de música extrema (10 temas contando com a intro Rise of the Abomination e o outro Warp), pautados por inesperadas mudanças rítmicas, pausas (!) e solos de guitarra bem colocados, e uma sensibilidade melódica rara em grupos deste calibre sônico. Os registros vocais do guitarrista Dagoth também são dignos de nota, bem colocados e variados, através de efeitos sonoros e do inteligente fraseado das letras, tornando algumas palavras perceptíveis e memoráveis, algo pouco comum no gênero.

Graular é um quinteto norueguês que me chamou a atenção dentre os inúmeros lançamentos do ano passado. Ashes é o seu primeiro lançamento oficial, um EP de 4 temas, que lhes garantiu contrato e relançamento pela Wormholedeath Records em Novembro do ano passado. O grupo surgiu em 2017 na capital Oslo, inspirado em bandas da nova geração do prog metal como Tesseract e Haken, e principalmente pelos Australianos Caligula's Horse. Graular ganhou rapidamente a atenção local, demonstrando criatividade e potencial para se destacar dentro do gênero, e quem sabe trilhar o caminho já estabelecido por seus conterrâneos Leprous.

Este é para mim, um dos melhores exemplos de como apresentar um projeto musical nos dias de hoje. O EP sempre foi sinônimo de uma 'pequena amostra' do potencial de um grupo, mas quando produzido 'por etapas' (Step by Step) igualmente lapidadas e impecáveis como este 5 Senses, demonstram não só audácia e a criatividade do projeto musical, mas também um grande envolvimento em todos os aspectos da produção. Considerando 5 singles lançados através de clipes oficiais em intervalos de 3 semanas, e apresentados em formato collab com 5 diferentes vocalistas, pavimentam o início de uma jornada competente de futuro  promissor :)

01. Silver Rain (Acrimonious) - feat. Yannick Schmidt