O novo milênio trouxe um novo fenômeno em termos de shows de artistas internacionais no Brasil, com promotores contratando músicos brasileiros para fazerem parte das bandas de suporte em apresentações especiais e até pequenas tours de renomados vocalistas do hard'n'heavy mundial. Uma estratégia econômica que para além de viabilizar shows na América Latina, ajudou a captapultar a carreira de diversos músicos nacionais. Um dos casos mais antigos que me vêm à memória, é o do Paul Di'anno, o eterno ex-vocalista do Iron Maiden, que fez muitos shows por aqui e até lançou o álbum Nomad com Paulo Turin, Chico Dehira, Felipe Andreoli e Aquiles Priester em 2000. Em sua última tour no Brasil em 2015, Di'anno contou com Vinnie Tex, Thiago Velasquez e Braulio Drumond, músicos cariocas que hoje integram a banda da cantora Leather Leone (ex-Chastain). Aliás, o projeto Leather conta ainda com o guitarrista Marcel Ross que gravou II, o segundo álbum a solo da cantora norte-americana, e que também rendeu shows no Brasil em 2019. Outro caso que me vêm à mente é o do cantor Jeff Scott Soto (ex-Yngwie Malmsteen), que depois de tantos shows no Brasil com os músicos da banda brasileira Tempestt, acabou montando o grupo S.O.T.O. com dois deles, BJ e Edu Colminato. Mas houve muitos outros casos que deram frutos, como a parceria de Michael Vescera (ex-Loudness) com o Dr. Sin, e mais recentemente das tours de Tim Ripper Owens (ex-Judas Priest), e Blaze Bayley (ex-Iron Maiden) no Brasil. Teve ainda duas edições do projeto Metal Singers, que para além de Owens e Bayley, contou também com Mike Vescera, Udo Dirkschneider, Doogie White e André Matos. E o que há de comum em todos esses shows? O guitarrista Kiko Shred e a seção ritmica formada por Will Costa e Lucas Tagliari, não por acaso, músicos que acompanham Kiko em sua carreira a solo.

Kiko Shred's Rebellion

Você sabia que Sarmat (RS-28 Sarmat ou Satã 2) é um míssil balístico intercontinental russo de combustível líquido, que pode transportar de 10 a 15 ogivas de MIRV termonucleares com um poder de destruição estimado em 3 megatons, capaz de destruir uma área do tamanho da França? Pois é, eu também não, mas graças a Wikipedia, e ao vocalista Łukasz Kobusiński da banda Polonesa Sarmat, estou agora devidamente elucidado e igualmente perplexo com tamanho bom senso na escolha do nome da banda, assim como no título (RS-28) desta potente e destrutiva estreia discográfica.

O grupo surgiu na Polônia em 2018 com a dupla de guitarrista Daniel Szymanowicz e Krzysztof Kopczeński, e contou com o músico de sessão Krzysztof Klingbein para gravar as partes de bateria durante os dois anos seguintes, quando finalmente convidam o vocalista Łukasz para finalizar as gravações ainda em 2020. Com o álbum pronto, já mixado e masterizado, e sem nenhum contrato de distribuição firmado, decidem lançar o trabalho em versão digital no bandcamp em março de 2021, e dois meses depois em CD de forma totalmente independente.

Sarmat

É sempre gratificante ver bandas lançando trabalhos de estreia de grande qualidade, ainda mais quando se trata de grupos nacionais. O XFears é um quinteto de heavy metal de contornos progressivos que surgiu em Campinas, no interior de São Paulo, e que esteve ativo por um par de anos no início deste milênio. Após um hiato de 13 anos, ressurgem em 2017 com o objetivo de levar a cabo o lançamento de seu primeiro álbum de forma profissional e independente. Em 2020 lançam 3 singles que dão pistas do que estava por vir (Changes, Reason to Stay e Fix it All), renovam a secção rítmica com a entrada de Ricardo Roque no baixo e Douglas Polents na bateria, e lançam mais 2 singles Believe in Nothing e Hell is Here, ambos presentes neste debut The First. 

O álbum surpreende pela qualidade de gravação e execução dos músicos, com destaque para o vocalista/ tecladista Gabriel Carvalho, que faz um ótimo trabalho em ambas as funções. A pequena intro Xfears abre o disco dando o mote para a beleza dos teclados, que de forma harmoniosa norteia o disco como um todo, eficazmente e sem grandes exageros, abrindo espaço para Take Control que combina o peso das guitarras com ritmos e harmonias envolventes, mostrando que para além de coesão instrumental, o grupo apresenta grande maturidade a nível de composição. Hell is Here é o tema seguinte, na mesma linha porém com mais peso e algumas mudanças rítmicas mais ascentuadas na parte dos solos, lembrando vagamente a fase Image & Words do Dream Theater. No Regrets segue mantendo a alto padrão, tanto no peso como na parte mais progressiva dos solos de guitarras e teclados, para além dos bem executados arrajos nos vocais de apoio do refrão. Depois de uma trinca tão convincente, desaceleram mas não desapontam com a semi-balada I See, e voltam a carga com a ótima Endeavour e a belíssima Believe in Nothing, me fazendo ponderar algumas referências fora do espectro do metal progressivo, tais como Amorphis, Sentenced e até mesmo Nevermore. Já na reta final do disco temos o interlúdio Prelude to Pain com Gabriel dando show na voz e piano, e a grandiosa (e longa) The Worst Pain que fecha o álbum mantendo o alto nível, ainda que seja a menos memorável de todo o álbum.

Xfears 2021

O Xfears produz música de alta qualidade que agradará não só ao fã de prog metal habitual, como à um público mais eclético do rock pesado também, pois eles não se limitam a repetir fórmulas passadas. Os músicos mostram que sabem tocar bem sem precisar ficar provando constantemente, ou seja, não exageram na dose e apresentam composições sólidas e de um bom gosto indicutível. Em resumo, estamos diante de uma grande revelação em termos de metal progressivo feito no Brasil, e não tenho dúvidas de que este álbum de estreia irá figurar entre os melhores em muitas listas de fim de ano, inclusive a nossa! Indicado a fãs de bandas como Evergrey, Fates Warning ou Symphony X, e não só!