Caught in Action - Devil's Tango (2022, Steelheart Records)

By Guzz69 - janeiro 17, 2023

 

Um dos privilégios de vivenciar o mundo da música por mais de 4 décadas é o de poder testemunhar as diversas fases da carreira de uma banda ou artista bem sucedido, assim como o vai e vem de popularidade de certos estilos musicais a que ficam associados durante sua trajetória. Para além do talento há outros fatores que determinam o destino de um projeto, tais como apoio financeiro (patrocínio), capacidade técnica (experiência e maturidade), ou até mesmo bem-aventurança (estar preparado no lugar certo e na hora exata). A vida funciona em ciclos de oportunidade, e é preciso um bom mix de entusiasmo e perseverança para alcançar vitórias, mesmo que pelo caminho fiquem inúmeras tentativas frustadas e pontuais fracassos acumulados ao longo do tempo. Mas você deve estar pensando: Qual o sentido desta introdução em uma resenha de um álbum de estreia de um novo projeto musical europeu? 

Temos vivenciado uma época em que tudo acontece muito rápido, sendo a tecnologia o grande propulsor (facilitador) que alimenta sem descanso a indústria do entretenimento. O número de artistas, projetos e lançamentos vem crescendo exponencialmente, e em especial os trabalhos autorais de qualidade, mesmo que dissociados de empresas (gravadoras, selos, promotoras) que lhes garantiriam um nível adequado de exposição. Com a massificação da música servida digitalmente via streaming, há cada vez menos novos ouvintes se relacionando com produtos físicos, sejam eles fita cassete, disco compacto ou vinil, trazendo como consequência uma perda significativa nas receitas, assim como uma crescente efemeridade na relação entre o fã e artista. Houve um tempo em que se dizia que um músico precisava vender a alma ao diabo para viver de sua arte, mas na realidade persevera quem melhor se adapta, ampliando horizontes, respeitando diferenças, aprendendo com erros, e seguindo o ritmo de sua intuição. É no entanto preciso ter consciência dos perigos de dançar conforme a música, principalmente quando os movimentos são orquestrados pela diabólica indústria capitalista, pois ela cria ilusões de fama e poder, inflama egos e corrompe destinos, quer seja por atalhos articulados ou vícios plantados no caminho divino da criação. Em suma, é preciso estar muito bem preparado para dançar esse 'tango do diabo', e se manter imune à tropeços, pisadas na bola, trancos e muitos barrancos.

Richard Jönsson, Caught in Action mastermind.
O projeto Caught in Action surgiu na Suécia durante a pandemia, com o guitarrista e compositor Richard Jönsson e o tecladista Ronnie Svärd, que juntos compuseram novo material voltado para suas raizes no rock melódico (AOR). Encontraram no brasileiro Marcello Vieira, a voz forte, melódica e potente que procuravam. Ganharam dele também a indicação do experiente baixista/produtor português Ricardo Dikk, que por sua vez trouxe para o projeto outros dois músicos de Portugal, o baterista Mauro Ramos e seu irmão tecladista Ménito Ramos. Sim, o Caught in Action é um projeto multinacional! Devil's Tango foi gravado em Lisboa entre 2021/2022 e lançado ainda no ano passado pela editora italiana Steelheart Records. O debut conta com 12 canções bem executadas e com refrões bem marcantes. A produção de Dikk é cristalina, deixando todos os músicos num mesmo patamar na mixagem final. A faixa de abertura New York foi escolhida como primeiro single, e promovida no youtube através do lyric video abaixo. Confira!


As influências do grupo passam por nomes estabelecidos da cena do hard rock melódico norte-americano, e se fazem notar em temas como It Was Always You (Journey), Gave You My Heart (Bon Jovi) e Too Late For Love (Def Leppard), por exemplo. As referências surgem naturalmente, porém numa veia mais AOR, onde os teclados ganham evidência, ainda que sem grandes exageros ou recursos desnecessários. O trabalho das guitarras é simples e eficiente, mantendo o tom melodioso das harmonias vocais sobre a sólida cozinha rítmica. Entre as melhores canções estão Simple ManIt Is What It Is, ambas bem elaboradas e igualmente orelhudas. Ainda assim, o grande destaque vai para a empolgante faixa título Devil's Tango, numa linha um pouco diferente das demais, bem mais energética e trabalhada, lembrando um pouco a fase inicial do Skid Row. Sem a pretensão de inventar a roda, o Caught in Action executa de forma polida, atualizada e convincente, a fórmula simples e eficaz do rock melódico radio-friendly dos anos 80/90. 

Marcello Vieira
A voz brazuca do Caught in Action

Não poderia deixar de referir que o álbum me fez recordar os tempos de Hot Stuff, grupo que formei em Portugal no início dos anos 90, e no qual o Marcelo também fez parte. Ele que já havia tocado comigo no Skid Row Cover antes de nos aventurarmos em terras lusitanas. Pouca gente sabe, mas Kind of Crime, o primeiro álbum do Hot Stuff lançado há 30 anos em Portugal e no Brasil, vendeu mais de 100 mil cópias em vinil! Aliás, nenhum dos músicos envolvidos soube disso na época, o que acabou privando a evolução do grupo em anos subsequentes. De certa forma, o Caught In Action surge também como uma continuação daquele sonho prematuramente ceifado de levar o rock melódico de viéz latino/americano pelos quatro cantos da Europa. Tenho muito orgulho da carreira do Marcelo, ele é um guerreiro e também um vencedor, e não tenho dúvidas de que sua voz e personalidade ficarão eternizadas na história do rock'n'roll.

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