quarta-feira, 31 de maio de 2023

Neil Turbin 23/04/23 Jai Club

Em meados dos anos 80 quando o heavy metal começou a fervilhar no Brasil (pós Rock In Rio I), não havia quem não se empolgasse com a nova vaga de bandas despontando nos EUA. Com uma sonoridade mais rápida, agressiva e repleta de riffs acutilantes destacaram-se Slayer, Megadeth e Metallica, para além é claro do Anthrax, completando assim o seleto grupo que passaria a ser lembrado como o big 4 do thrash metal. O destino de Neil Turbin teria sido completamente diferente caso não tivesse sido despedido do Anthrax tão prematuramente. O vocalista norte-americano gravou apenas o álbum Fistful of Metal (1984), do qual foi responsável pelas letras e grande parte das músicas. Sua contribuição foi tão grande para o Anthrax, que algumas de suas composições foram parar no EP Armed and Dangerous e no segundo álbum Spreading the Disease, ambos lançados em 1985, e já contando com seu substituto Joey Belladona. Embora nunca tenha ficado muito clara as razões por trás de seu desligamento, a verdade é que o Anthrax cresceu muito após assinarem com uma major (Atlantic) e Neil Turbin caiu no esquecimento por mais de uma década. Em 2001 ressurgiu com um novo projeto, o Deathriders, mas só veio a lançar material inédito dois anos depois com seu primeiro e único disco a solo Threatcon Delta (2003), ainda que sem grande repercussão. O anúncio da primeira tour em território nacional em comemoração aos 40 anos de Fistful of Metal, pegou muita gente de surpresa, inclusive eu que pouco ou nada sabia de seu paradeiro nos últimos 20 anos. Movido pelo saudosismo, fiz questão de testemunhar o evento que ainda contava com outras 5 bandas nacionais na abertura, entre elas o Azul Limão, uma de minha favoritas dos anos 80. Vale lembrar que no dia anterior houve a sétima edição do Monsters of Rock, e no mesmo dia haveria não muito longe dali um show conjunto com outras duas lendas do rock, Udo Dirkschneider (ex-Accept) e Tim 'Ripper' Owens (ex-Judas Priest). Ainda assim um bom público encheu o Jai Club na Vila Mariana, fato que seria louvado pelo vocalista durante sua apresentação.

Alason Roar, vocal do Vingança Suprema
Cheguei a tempo de assistir grande parte da apresentação do grupo local VINGANÇA SUPREMA, quinteto praticante de um speed/thrash metal old school com letras em português. Sem dúvidas um ótimo abre alas, chamando a atenção dos presentes pela entrega em palco, ainda que meio espremidos no pequeno espaço do Jai. Tocaram músicas de seus dois álbuns em longa duração, mas com especial destaque para o debut Massacre Final que este ano completa 10 anos de seu lançamento. Do álbum mais recente Mundo Apocalíptico (2019) tocaram apenas Tormento Real, Soldados do Metal e a cadenciada Terror. O baixista Rubão foi uma atração à parte, inquieto e difícil de fotografar, sempre agitando muito com sua cabeleira azul. Só tenho o primeiro CD, mas ouvindo o segundo no formato digital, dá para notar uma significativa melhora na performance dos músicos e na produção geral, potencializando a essência direta e viceral que o grupo debita ao vivo. Vale lembrar que preparam o lançamento de um split CD em digipack com a banda Gomorra, e no qual apresentam 4 temas novos, muito embora nenhum deles tenha sido tocado neste fim de tarde na Vila Mariana.
 
Diogo Moreschi, vocalista do Warsickness
O grupo seguinte foi o WARSICKNESS, quarteto oriundo de Itapevi, interior de São Paulo. Seu thrash metal é rápido, furioso e técnico (escola Nuclear Assault?), alternando temas sérios com outros mais descontraídos como Baptism by Beer e da ótima Alcoholic Brain, onde fica impossível não fazer um paralelo com os alemães Tankard. O set foi relativamente curto, tocaram 5 temas do debut Stay Drunk in Hell de 2015 (4 delas também presentes no EP Reign of Chaos Pain and Torture) e ainda a citada Baptism by Beer do EP digital Sick Existence (2018), com o inevitável brinde de latinha de cerveja do vocalista Diogo Moreschi com a galera. Vale lembrar que este último EP ganhou um versão física em CD, porém estendido a full com 3 faixas bônus, sendo duas delas as versões de WarsicknessAlcoholic Brain do primeiro EP (2012), ambas debitadas neste ótimo show, para além da inédita Gruesome Origin que ficou de fora.
 
Capi, guitarrista do Selvageria

O SELVAGERIA é um grupo que eu conheço relativamente bem, muito embora nunca os tivesse assistido ao vivo em seus 18 anos de carreira. Há 5 anos tive a oportunidade de entrevistar os irmãos Toloza para a rúbrica Bastardos do Brasil, transmitida pela Marcoense FM de Portugal. Até então só conhecia a demo Metal Invasor (2005), porém fui presenteado pela dupla com o álbum homônimo de 2009 e o segundo álbum Ataque Selvagem de 2017, ambos em CD. Sua sonoridade speed/thrash é uma viagem nostálgica a meados dos anos 80 quando surgiram no Brasil bandas como Taurus, Anthares e Korzus cantando em Português. O grupo ficou reduzido a trio com a saída do vocalista Gustavo (atualmente no Trovão), tendo o baterista Danilo Toloza assumido as vozes. Quando subiram ao palco destilando o tema Metal Invasor ficou claro que mesmo sem um frontman, pouco ou nada havia mudado. Danilo consegue reproduzir os característicos agudos sem prejudicar sua performance na bateria, segurando bem a cozinha com seu irmão Tomás, enquanto César Capi destila riffs endiabrados como se possuído pelo finado Jeff Hanneman (Slayer). Por esta altura o público já era muito bom e participativo, cantando novos hinos como Selvageria, Cavaleiro da Morte, Legião Invencível, e bangueando com clássicos como Cinzas Da Inquisição, Águias Assassinas e Hino do Mal, esta última pondo um ponto final em sua ótima apresentação. O Selvageria é um grupo fiel a sua proposta retrô, e não decepciona quem curte o gênero. Aliás, se você é fã mesmo, corra pois o primeiro álbum foi relançado em vinil pela editora sueca I Hate Records (edição limitada a 400 cópias) em fevereiro deste ano. Uma ótima oportunidade de adquirir esta pérola do metal nacional.

Renato Massa (voz) e Marcos Dantas (guitarra) do Azul Limão
O AZUL LIMÃO foi confirmado no cartaz poucos dias antes do evento, e tornou-se um dos mais aguardados da noite. Lembro como se fosse ontem quando comprei seu primeiro LP na icônica Woodstock Discos, poucos meses após seu lançamento em 1986. Cheguei a assisti-los ao vivo no show de lançamento do EP Ordem e Progresso em São Paulo, no teatro Mambembe em 1987, mas tenho que confessar que me passaram ao lado seus últimos 3 álbuns de estúdio lançados desde que voltaram em 2012. Da formação clássica apenas o guitarrista Marcos Dantas esteve presente, visto que o baixista Vinícius Mathias deixou o País e teve que ser substituído de última hora por Lucas Chuluc (Álcool, Trovão). Completando a formação estiveram em palco o baterista André Delacroix e o vocalista Renato Massa, tendo ambos participado das gravações dos dois últimos álbuns, e que curiosamente, junto a Marcos Dantas perfazem 3/5 do Metalmorphose, outro grupo incontornável do metal carioca. Apesar do curto set devido a alguns problemas técnicos, o grupo tocou temas de (quase) todos os seus álbuns, abrindo com a faixa título do mais recente trabalho Na Pressão (2022), seguida por Rotina do Ordem e Progresso, a clássica Sangue Frio do debut Vingança, e a "maidenesca" Nunca Se Renda voltando ao último álbum. O vocalista Renato, também conhecido como Trevas, teve uma ótima performance ao vivo, tanto nos novos temas como nas clássicas Não Vou Mais FalarSatã Clama MetalVingança, esta última filmada por ele e transmitida ao vivo nas redes sociais do grupo, para delírio geral dos fãs presentes e saudosistas de plantão. Pelo meio houve tempo para uma versão de Coração de Metal (hino da banda Stress de Belém do Pará) presente no álbum Regras do Jogo (2013), e um pedido de desculpas do guitarrista Marcos Dantas pela não inclusão da prevista Guerreiros do Metal do álbum Imortal (2018), que no entanto ficou prometida para um próximo show da banda em São Paulo.
 
Fernando Xavier, vocalista do Hammathaz
A banda HAMMATHAZ de Sorocaba destoou das restantes do cartaz com sua sonoridade extrema e moderna, influenciada por bandas como Machine Head, Arch Enemy e Gojira. O grupo fez todas as aberturas desta tour de Neil Turbin no Brasil, e é preciso dizer que também fizeram uma convincente apresentação nesta noite. Infelizmente poucos curiosos permaneceram a frente do palco, visto que o público que havia se aglomerado para o show do Azul Limão rapidamente se dispersou durante a intensa apresentação do quinteto paulista. O repertório apresentado privilegiou temas do debut em longa duração The One (2022) tais como New BloodSelf-ChainedThe End, e já na reta final com FarewellBringing Hell. Pelo meio houve tempo para apresentar o mais recente single False Gods, e ainda tirar da cartola uma versão explosiva de Roots Bloody Roots (Sepultura), talvez o único momento a contar com uma intensa participação do público. Sim, teve roda e pogo, é claro!  Os músicos são bem entrosados, o instrumental é bem executado, cheio de groove, solos melodiosos e ocasionais breakdowns. Sinto falta apenas de uma maior variação na parte vocal para tornar sua música mais interessante, afinal o novo vocalista Fernando Xavier tem potencial. Ao fim do show, a galera já se reposicionava a frente do palco, reabastecida de cerveja, para a atração principal da noite.
 
Neil Turbin, ex-Anthrax
NEIL TURBIN subiu ao pequeno palco do Jai Club ao som da trilha de abertura do filme 2001: Uma Odisséia no Espaço, munido de seu inseparável chapéu preto tipo cartola, para um longo e profundo mergulho ao passado, revistando músicas que compôs há 40 anos entre outras mais recentes de seu projeto Deathriders. Tal como acontece na maioria dos shows a solo de vocalistas internacionais no Brasil, Neil se apresentou acompanhado de competentes músicos nacionais; Jaeder Menossi (Javali, ex-Pop Javali) e Thales Statkevicius (Hammathaz) nas guitarras, Bill Martins (vocalista do Hellish War) no baixo e Rafael Gonçalves (Brave) na bateria. Logo de cara o cantor tratou de aquecer a voz com seus característicos agudos introduzindo a faixa Give 'Em Hell, seguida da clássica Death From Above, a primeira do álbum Fisftful of Metal, que tal como prometido foi tocado na íntegra nesta noite, incluindo até mesmo a emblemática versão de I'm Eighteen (Alice Cooper). Intercalando temas do Deathriders (menos conhecidos do público Brasileiro) com músicas do Anthrax, o cantor norte-americano mostrou que ainda detém os mesmos dotes vocais de outrora, muito embora tenha revelado pouca variação ou criatividade em sua execução. Para compensar, foi bastante comunicativo com o público, elogiando o País ao qual afirmou sonhar em morar um dia. Fez referências irônicas a sua ex-banda em diversos momentos, e deixou para o final os temas mais aguardados: Panic, Deathrider e Metal Thrashing Mad. Do EP Armed and Dangerous, tocaram Raise Hell e a faixa título, muito embora eu ainda prefira as versões gravadas com seu substituto, Joey Belladonna. A banda de apoio se comportou muito bem, exceptuando um único momento constrangedor, onde o vocalista olha para o baterista e dá a entender que a banda encerrou a música antes da hora. Tirando isso, o show correu dentro do esperado, com o público cantando e agitando bastante, muito headbanging e os habituais empurra-empurra entre o pessoal que faz 'roda' e quem quer apenas curtir o show à sua volta. Já no encore tocaram Gung Ho, a  única composição até então inédita de Neil incluída no álbum Spreading The Disease (1985), fechando assim uma grande noite onde o thrash metal mais tradicional imperou e todos saíram de lá suados, satisfeitos e com os tímpanos zunindo.
 

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