terça-feira, 16 de maio de 2023

São Paulo Metal Fest 14/04/23 Carioca Club

O grupo português MOONSPELL já é bem conhecido do público Brasileiro, e é sempre muito aguardado pelos fãs quando uma nova tour sulamericana é anunciada. A última passagem no país aconteceu há 5 anos quando promoviam o álbum 1755, lançado em 2017. Com 18 datas anunciadas para a América Latina entre os meses de Março e Abril, o grupo trouxe na bagagem um repertório comemorativo de seus 30 anos de carreira, para além da banda chilena Weight of Emptyness na abertura dos shows na Argentina, Uruguai e Brasil. Para a capital paulista ficou reservada a última data da tour, dia 14 de Abril no Carioca Club, e para a qual os promotores decidiram transformar em festival com a adição das bandas Beyond Creation do Canadá e Cynic dos EUA, que estavam prestes a iniciar tour conjunta pela América Latina. E desta forma surgiu o primeiro São Paulo Metal Fest, com os 4 grupos estrangeiros e ainda duas bandas nacionais anunciadas a posteriori. Os fãs de música extrema compraram a ideia e compareceram em bom número, porém nem todos saíram satisfeitos de lá. Sim, o cabeça de cartaz do evento se viu obrigado a encurtar o setlist devido a falta de profissionalismo de Paul Masvidal, que extrapolou em 20 minutos o tempo a que sua banda tinha direito em palco.

New Democracy

Apesar de ter chegado cedo ao Carioca Club (Pinheiros), acabei perdendo o início do show do NEW DEMOCRACY devido a um problema com minha acompanhante cujo nome não estava na lista de convidados. Resolvida a questão, adentro ao recinto para encontrar o grupo de Varginha debitando seu potente death thrash metal em frente a um (ainda) pequeno público, porém muito interessado no que presenciava em palco. Relativamente desconhecidos, o quinteto mineiro já acumula um par de EPs e um par de álbuns em longa duração em cerca de uma década de carreira. Apesar do tempo limitado de palco, o grupo apresentou temas de seu mais recente trabalho de estúdio, The Plague (2022).

Rafael 'Naum' Lourenço, o vocalista e guitarrista do New Democracy

Todos os 5 músicos da banda mandaram muito bem em seus instrumentos, e entre os temas novos debitados destaco Blood on Nile, The Way We Die, e a ótima Creation of My Sin, todas elas apresentadas com muita energia e precisão. Para quem não sabe, o álbum The Plague é um trabalho conceitual que faz um paralelo entre a vida contemporânea e a cultura do povo egípicio. No universo da música extrema, bandas como Nile e Aeternam incorporaram em sua sonoridade elementos e melodias da música do oriente médio, e em especial do Egito. Resta saber se esta influência egípcia terá continuidade em futuros álbuns, pois o que o New Democracy conseguiu produzir em estúdio, e agora reproduzido ao vivo, é simplesmente fantástico e inédito em território nacional.

Hatefulmurder
A próxima atração a subir ao palco do Carioca foi o HATEFULMURDER, grupo do Rio de Janeiro que vem se destacando na cena underground brasileira desde a entrada da vocalista Angélica Bastos em 2015. Com ela o grupo lançou Red Eyes (2017) e Reborn (2019), refletindo a nova orientação metalcore do grupo, ainda que os elementos death/thrash do ínicio de sua carreira não tenham sido abandonados completamente. O público ainda estava compondo o ambiente, mas Angélica tratou de quebrar o gelo pedindo pela aproximação e agito dos bangers em diversos momentos do show.

Angélica 'Burns' Bastos, a vocalista do Hatefulmurder

Nos 30 minutos a que tinham direito tocaram músicas de todos os seus 3 álbuns de estúdio, com especial destaque para o álbum Red Eyes do qual tocaram Silence Will Fall, My Battle, Creature of Sorrow e a excelente faixa título. Houve ainda tempo para apresentar Psywar, o novo single lançado este ano e cujo videoclipe já tem rotação no youtube. Para quem não conhece o som do Hatefulmurder, uma boa referência é o Arch Enemy da última década, ainda que Angélica esteja mais para Angela do que Alissa. Quem chegou cedo pôde conferir uma ótima performance do quarteto carioca.

Weight of Emptiness

A primeira atração internacional da noite não precisou viajar muito para aterrar no Brasil, afinal o grupo WEIGHT OF EMPTINESS é oriundo de Santiago, capital e maior cidade de nosso vizinho 'não fronteiriço' na América do Sul, o Chile. Formados em 2015, o quinteto faz um interessante mix de sonoridades extremas que vão do doom melódico ao death metal progressivo, tendo já lançado três álbuns em longa duração. Confesso que era o único nome do cartaz que estava ouvindo pela primeira vez, mas o grupo foi tão convincente em sua prestação ao vivo, que me conquistou por completo.

Alejandro Ruiz, vocalista do Weight of Emptiness

O vocalista Alejandro Ruiz foi uma atração à parte na apresentação extremamente técnica e coesa do grupo. Impressionou tanto na parte cênica quanto na parte musical, com seu visual imponente e seus variados registros vocais. Adentrou ao palco de manto negro e com o rosto coberto pelo capuz. Parecia um monge pronto a celebrar uma missa negra. Logo revela a face parcialmente pintada dos olhos para cima, parecendo um batman cabeludo e barbudo. O grupo apresentou temas de seus 3 álbuns, com ênfase na novidade Whitered Paradogma do qual tocaram músicas como Wolves e Defrosting. A sonoridade death/doom do Weight of Emptiness me fez lembrar momentos de bandas como Mourning Beloveth, My Dying Bride, e até mesmo Katatonia, porém mostrando que possui identidade própria ao conciliar o melhor dos dois mundos. Exploram elementos atmosféricos e progressivos, quer nas partes rápidas e agressivas (death) ou lentas e depressivas (doom), salientando o aspecto melódico e tornando seu repertório memorável e impactante ao vivo. O grupo terminou sua ótima apresentação agradecendo a reciprocidade e o carinho do público brasileiro.

Beyond Creation

O grupo canadense BEYOND CREATION transformou-se rapidamente num dos grandes nomes do death metal técnico, inovando o gênero com influências de jazz e de música progressiva. Com apenas 3 álbuns lançados, The Aura (2011), Earthborn Evolution (2014) e Algorythm (2018), criaram uma identidade muito própria ao mesclar intrincados riffs de guitarra com melodiosas harmonias replicadas em ataque triplo de tappings. Sim, para além dos duetos proporcionados pelos guitarristas Simon Girard e Kévin Chartré, soma-se a eles os do exímio Hugo Doyon-Karout e seu baixo fretless. O grupo já havia se apresentado no Brasil em 2019, em tour conjunta com os norte-americanos Exhumed, sendo esta uma segunda oportunidade para o público paulista conferir o potencial da banda ao vivo.

Simon Girard, vocalista, guitarrista e líder do Beyond Creation

O quarteto fez um show impecável tocando músicas de todos seus 3 álbuns, mas com ênfase no mais recente Algorythm, do qual tocaram In Adversity, Ethereal Kingdom e a faixa título, nesta sequência a meio do show. Para além de ótimo guitarrista, Simon Girard impressiona com seus variados registros vocais, ora rasgados (tipo black metal), ora urrados e cavernosos (tipo death metal). Embora o recurso de voz limpa seja pouco usado, não tem como vê-lo em palco e não lembrar de Mikael Åkerfeldt do Opeth. Confesso que o que mais me atrai no Beyond Creation é o instrumental, e o show só não foi nota 10 pela ausência do excelente baterista Philippe Boucher. Em seu lugar esteve o músico de sessão Michel Bélanger, que mesmo sendo um grande músico, transpareceu alguma falta de entrosamento. Notei que a execução dele não era perfeita, principalmente nas partes mais extremas e com bumbo duplo. Nada que um leigo pudesse notar, é claro, e perfeitamente comprensível no pontapé inicial de uma tour.

Cynic

O grupo norte-americano CYNIC era uma das atrações mais aguardadas da noite, pois tocariam na íntegra o álbum Focus, seu primeiro álbum de estúdio lançado em 1993. A formação original do grupo contava com Paul Masvidal e Sean Reinert, que participaram das gravações de Human (1991), álbum clássico do Death, banda do finado Chuck Schuldiner. O grupo regressou no final dos anos 2000 com o álbum Traced in Air, mostrando maturidade e uma sonoridade mais melódica e progressiva, que abandonava os registros vocais agressivos quase por completo. Seis anos depois lançaram Kindly Bent to Free Us (2014), o último álbum de estúdio com o baixista Sean Malone e o baterista Sean Reinert (ambos viriam a falecer em 2020). Depois disso o grupo meio que virou um projeto solo de Paul Masvidal, que contando apenas com o baterista Matt Lynch como inegrante fixo, lançou Ascension Codes (2021) seu quarto e mais recente trabalho.

Paul Masvidal
Tal como prometido, o Cynic sob ao palco e destila os 8 temas de Focus, na mesma ordem do alinhamento do álbum, começando com Veil of Maya e terminando com How Could I. Ao lado de Paul e Matt, estavam o ótimo baixista Brandon Griffin e o guitarrista Max Phelps, este último assumindo também os vocais agressivos do repertório antigo. Confesso que achei meio entediante a prestação do grupo até aquele momento, muito embora parte dos fãs estivessem aprovando a celebração dos 30 anos daquele álbum. Felizmente o grupo não ficou por aí e passou a apresentar músicas dos outros 3 álbuns, e até mesmo incluindo Box Up My Bones do EP Carbon-Based Anatomy. Não sei se esta segunda parte do show estava prevista ou não, mas foi sem dúvida a mais 'viajante' e melhor conseguida de sua apresentação. Sou suspeito para falar, pois realmente curto mais o material da banda lançado nos últimos 15 anos, e adorei ouvir ao vivo músicas como Kindly Bent to Free Us, e em especial Evolutionary Sleeper e Adam's Murmur, ambas do excelente Traced in Air. Pelo lado negativo houve uma total falta de comunicação com o público (e ainda deixaram o palco sem se despedir!), para além de uma longa e desnecessária homenagem aos ex-músicos, o que contribuiu para o atraso da atração principal da noite.
 
Fernando Ribeiro, o líder e a voz do Moonspell
Conheço o MOONSPELL desde os tempos de seu primeiro EP Under the Moonspell, gravado no Edit Studio na Amadora e lançado pelo selo Francês Adipoceri Records em 1994. Cheguei a assisti-los ao vivo algumas em vezes em Portugal, em shows 'a solo' e também em festivais, mas esta seria a primeira vez que os assistiria aqui no Brasil. O vocalista Fernando Ribeiro e o tecladista Pedro Paixão são os únicos remanescentes da formação original, e foi muito bom revê-los no camarim antes do show, onde pudemos  relembrar momentos em que nos cruzamos em Lisboa, como nas gravações do videoclipe zombie para o tema I´ll See You in My Dreams. Nos últimos 30 anos muita coisa aconteceu na carreira do grupo lusitano, desde o abandono dos codnomes e da sonoridade raw black metal, à conquista da Europa com inúmeras tours de suporte até a merecida consagração em seu País natal. O grupo soube criar sua própria identidade musical ao longo dos anos, através da dicotomia de um heavy metal simultaneamente agressivo e melódico, explorando influências do rock gótico, death metal, música eletrônica, poesia, história e cultura popular. Souberam se reinventar a cada novo álbum de estúdio (somam 13 em longa duração), quer através de trabalhos conceituais ou parcerias inusitadas. Assinaram com editoras de porte como Century Media, SPV e Napalm Records, o que lhes proporcionou produções acima da média, e o merecido reconhecimento mundial, levando a cada etapa conquistada o orgulho da bandeira de Portugal. 

Aires Pereira, baixista do Moonspell e aniversariante da noite
Já passavam 20 minutos da meia-noite, quando a intro de Mr. Crowley (Ozzy) anunciava que o Moonspell estava prestes a subir ao palco. O grupo foi recebido de forma calorosa pelo público que naquele momento preenchia quase por completo a sala paulistana. Logo de cara mandam a ótima The Greater Good da novidade Hermitage, seguida da memorável Extinct do álbum de mesmo nome. Com ótima performance e comunicação com o público, o grupo não esqueceu de clássicos de sua carreira como Opium, Nocturna, Alma Mater e Full Moon Madness, sendo as duas últimas apresentadas já no encore. Ao todo tocaram músicas de 9 álbuns de estúdio, e só não foram mais devido ao atraso provocado pela banda anterior. Ficaram de fora músicas como Night Eternal, Wolfshade, Vampiria, Mephisto e Abysmo, porém Fernando Ribeiro fez questão de apontar a falta de profissionalismo do Cynic, e promoteu um novo regresso ao País para compensar. Entre os momentos altos do show estiveram a execução de dois temas cantados em Português, Em Nome do Medo e Todos os Santos, do brilhante álbum 1755. Completando a formação estiveram em palco o guitarrista Ricardo Amorim, o baixista Aires Pereira (ganhou parabéns pelo aniversário de 50 anos), e o novo baterista Hugo Ribeiro, todos muito eficientes em seus instrumentos, criando a coesão necessária para os climas criados por Pedro Paixão e a sempre convincente performance vocal de Fernando Ribeiro, que compensa qualquer limitação com sua intensa performance e inconfundíveis vociferações. Nas voltas que dei pelo recinto (em busca de boas fotos) ao longo do show, pude reparar o quanto o feitiço da banda fez efeito nos fãs brasileiros que testemunhavam o evento, seja pelo brilho nos olhos vidrados ou pelos versos cantadas em uníssono. Com os punhos erguidos em aprovação saudamos mais uma noite inesquecível proporcionada pelo esforço conjunto da IDL Entertainment e da Powerline Music. O sorriso de satisfação dos músicos ao final do show não esconde a satisfação de mais tour encerrada com sucesso. Obrigado amigos e até a próxima!
Fernando Ribeiro e Pedro Paixão aplaudem o público do Carioca Club

 Texto e Fotos por Gustavo Scafuro

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