Eu estava bastante entusiasmado com o regresso do Judas Priest ao Brasil, integrado na segunda edição do festival Solid Rock, e no qual também se apresentariam as bandas norte-americanas Alice in Chains e Black Star Riders. Não só porque os britânicos foram responsáveis por um dos melhores álbuns de heavy metal de 2018, mas também porque há quase 28 anos que eu não testemunhava um show deles ao vivo. Sim, desde a sua primeira passagem no Brasil, em janeiro de 1991 no Rock in Rio II, que eu estava em dívida com Rob Halford, o meu eterno
Metal God. Mesmo rejuvenecido com a nova dupla de guitarristas, e levando em consideração que o baixista Ian Hill é o único remanescente da formação original, e que ele e Rob Halford tem ambos 67 anos, dá para imaginar que a aposentadoria do grupo está iminente, e que esta poderia ser a última oportunidade de vê-los atuar. Do entusiamo
à frustração com a negativa de um pedido de credencial na véspera do evento, fui surpreendido na manhã do evento com um email informando que eu havia sido presenteado com um ingresso eletrônico para arquibancada superior do estádio Allianz Parque. Serei eternamente grato a esta alma caridosa, que me permitiu realizar mais este sonho, o de testemunhar pela derradeira vez um concerto do Judas Priest.
|
Rob Halford motorizado em palco para Hell Bent for Leather |
A tarde de shows começou da melhor forma com o
Black Star Riders, grupo que até 2012 era conhecido como a última encarnação dos irlandeses Thin Lizzy, mantida pelo guitarrista Scott Gorham, que gravou 9 dos 12 álbuns de estúdio do grupo. Desde então lançaram 3 álbuns de estúdio, mas foi o debut
All Hell Breaks Loose de 2013 o privilegiado neste primeiro show no Brasil. Abriram da melhor forma com "Bloodshot" e "All Hell Breaks Loose",
e na sequência tocam a faixa título do álbum
Jailbreak do Thin Lizzy. Como era de se esperar, o público mais senior presente no recinto foi ao delírio, principalmente aqueles que como eu nunca tiveram a chance de assisti-los ao vivo. Sim, o vocalista Ricky Warwick (ex-Warrior Soul) faz um ótimo trabalho em reencarnar a essência do finado Phil Lynott, sem precisar imitá-lo descaradamente. A faixa título do segundo álbum
Killer Instinct (2015) foi a seguinte, antes de duas mais recentes incluindo a faixa título do último
Heavy Fire (2017), para não restarem dúvidas de que a linha musical do grupo se mantém inalterada desde o debut. O público seguia aprovando a prestação, mas ansioso por mais algum tema do Thin Lizzy, o que veio acontecer através de "The Boys Are Back in Town", outro clássico do álbum
Jailbreak (1976). Já na reta final tocam "Kingdom of the Lost", provavelmente o tema com maior apelo
irish folk de seu repertório, remetendo aos bons tempos da parceria de Phil Lynott com Gary Moore
. Fecharam
com
"Bound to Glory" outro tema do debut, e cujo solo/riff de guitarra lembra muito a de "Guilty of Love" do Whitesnake. No geral foi uma boa apresentação de aquecimento, pricipalmente pelas homenagens, mais que merecidas,
à um dos nomes mais sonantes da história do rock irlandês.
|
Black Star Riders mantendo viva a memória a Thin Lizzy |
Desde que fui morar na Europa no início dos anos 90, aprendi a manter uma mentalidade aberta no que diz respeito a música, seja por novos gêneros musicais como também por abordagens menos convencionais dentro do rock. Talvez por isso a sonoridade do
grunge nunca me tenha incomodado muito, embora grande parte das bandas associadas ao movimento pouco ou nada tenham em comum com o heavy metal. Uma das poucas exceções foi o
Alice in Chains, que desde o início pautou sua música por riffs pesados e originais, e que acabou fazendo parte do "bolo" mais por causa de sua origem geográfica do que por sua identidade musical. O grupo superou a morte de Layne Staley
em 2002, e há 12 anos vem mantendo a popularidade em alta com o vocalista William DuVall. A cada novo álbum, uma passagem pelo Brasil, e desta vez a propósito da novidade Rainier Fog (2018). Com um setlist baseado no multi-platinado Dirt (1992), o grupo arrancou as melhores respostas do público em temas como "Man in the Box" e "Would?". Aliás, foi interessante constatar que o grupo revisitou todos os seus álbuns, inclusive do EP Jair of Flies (1994) do qual tocaram um de seus maiores sucessos, a tranquila "No Excuses". Deram início ao show com a viciante "Check My Brain", seguida de "Again" e do primeiro contato de DuVall com o público em bom português: "E ai galera, é muito bom estar de volta a São Paulo". Na sequência "Never Fade" do novo álbum é apresentada, antes de voltarem aos clássicos com "Them Bones" e "Dam That River". Houve momentos em que o peso debitado pelo P.A. impressionava, e meus tímpanos davam sinal de alerta, mesmo estando tão longe do palco, na ponta extrema do estádio. Foi assim em "Hollow" com DuVall ajudando na segunda guitarra, e depois em "Stone", curiosamente os únicos temas apresentados do álbum The Devil Put Dinosaurs Here (2013). Na reta final do show houve tempo para mais um tema do último álbum "The One You Know", seguido de "Would?" e "Rooster" encerrando assim sua apresentação em tom mais melancólico e cadenciado. O grande trunfo do Alice in Chains, é ter um guitarrista como Jerry Cantrell, que sempre ajudou na parte vocal das músicas, fazendo com que o repertório antigo mantenha-se imaculado até hoje. No geral foi uma apresentação muito boa e consistente, e em última instância, um ótimo exercício de paciência para os fãs de heavy metal mais tradicional, ansiosos é claro, pelo poder de fogo renovado do "Padre Judas".
|
Alice in Chains inebriando o público de São Paulo |
Durante o intervalo que antecedeu o show da atração principal da noite, pude reparar no grande público que compareceu ao evento. É muito legal observar as diferentes gerações presentes no recinto, algo só possível pela força de atração de uma banda que anda na estrada a quase 50 anos! Quando o tema "War Pigs" do Black Sabbath começa a tocar, a excitação toma conta do público, afinal é o sinal de que o show está prestes a começar. Finalmente as luzes se apagam, o pano com um gigantesco logo do
Judas Priest cai, e já ao som da intro de "Firepower" o quinteto adentra ao palco. A faixa título do novo álbum é então destilada com a mesma força e impacto que a versão de estúdio, mostrando de cara o entrosamento da nova dupla de guitarristas Faulkner/Sneap. Nunca imaginei que um dia o Judas pudesse sobreviver sem a dupla Downing/Tipton, no entanto cá está Rob Halford e Cia renovados e surpreendentemente coesos, a doutrinar o heavy metal para as novas gerações. Depois dos clássicos "Running Wild" e "Grinder", Rob se dirige pela primeira ao público com um singelo
The Priest is Back!. Este senhor de 67 anos dá então uma aula de agudos na excelente "Sinner", a única recuperada de
Sin After Sin (1977). Na sequência outro clássico, "The Ripper", o tema mais antigo de sua carreira a ser apresentado nesta gloriosa noite. Uma das coisas mais bacanas deste show foi ver o grupo revisitar temas de 10 álbuns de sua discografia. Claro que a novidade
Firepower (2018) foi privilegiada com o maior número de temas, e foi justamente dele que ouvimos a seguir o ótimo "Lightning Strike". Depois de um começo tão avassalador, era preciso um momento mais cadenciado para recuperar energia, e então "Desert Plains" é introduzida por Halford em tom de
Empowerment. Na sequência mais uma do novo álbum, desta vez "Surrender", que tem aquele apelo mais oitentista para o público acompanhar o refrão que se repete a exaustão. Até "Turbo Lover" foi lembrada, tema que até hoje causa ojeriza nos fãs mais radicais. Na sequência o excelente "The Green Manalishi" do Fleetwood Mac, versão imortalizada pelo Judas Priest no álbum
Killing Machine (1978). Já na metade de sua apresentação, surge outra tema mais cadenciado, o improvável "Night Comes Down" para dar uma relaxada antes da matadora sequência final.
|
Judas Priest renovado sem a dupla clásssica de guitarristas |
Sem exageros, o som estava ótimo, e a prestação dos músicos primorosa. O registro vocal de Rob Halford continua o mesmo, ou seja, excelente. A minha única crítica tem haver com sua presença em palco, pois em geral ele canta olhando para o chão, principalmente nas partes de maior esforço vocal. Pode parecer um detalhe sem importância, mas chega a ser frustrante para um fotógrafo conseguir bater uma bela "chapa" desta lenda viva. De salientar também as constantes trocas de figurino do vocalista. Ele deve ter trazido um guarda-roupas de jaquetas, e foi alternando durante todo o show. Mas vamos voltar para a música que é o que mais interessa, não é? Pois bem, na sequência rolou a semi-épica "Rising From Ruins", outra novidade de
Firepower, que também ficou ótima ao vivo. Já na frenética "Freewheel Burning" tivemos o momento mais emocionante do show, com a projeção de imagens do piloto brasileiro Ayrton Senna, dando um significado ainda mais especial aos amantes da velocidade, quer seja no heavy metal ou nas pistas de Fórmula 1. Confesso que demorei um pouco para reconhecer o tema seguinte, pois foi introduzido com um arranjo diferente do habitual. Falo é claro da imprescindível "You've Got Another Thing Comin'", aquele tema em que Rob consegue puxar o coro do público de forma mais evidente. Outro grande momento da noite surgiria a seguir, com o ronco de motocicleta a denunciar "Hell Bent For Leather". Sim, Halford não só manteve a tradição de entrar em palco de moto, como cantou o tema inteiro montado nela. Depois Scott Travis, o homem das baquetas que ajudou a revolucionar o som do Judas Priest, se dirige ao público para agradecer em bom português, e introduzir em jeito de mini solo de bateria, o agora clássico "Painkiller". Foi a última porrada sônica da noite, que ainda teve mais 3 temas em clima de encore: "Electric Eye", "Breaking The Law" e "Living After Midnight". No imenso telão do palco, que ilustrou as diversas fases da banda, seja com as capas dos álbuns, trechos de videoclipes, ou mesmo animações computadorizadas, agora estampava a frase "The Priest Will Be Back". Será que eu me enganei prevendo uma possível aposentadoria nos próximos anos? Sinceramente espero que sim, pois essa nova geração de jovens e adolescentes que só teve contato com o metal nos anos 2000, merece continuar testemunhando grandes shows como este. Quanto a mim, fã da banda desde os anos 80, me considero plenamente satisfeito. Acho pouco provável que nesta altura do campeonato surjam novos álbuns e deles novas turnês. E se assim for, acho que encerram a carreira em grande, no topo, e de forma irrepreensiva. Obrigado por tudo
Judas Priest!
|
Judas Priest convence e promete voltar |
Nenhum comentário:
Postar um comentário