quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Abraxas Fest 13/10/18 Fabrique Club


Comemorando o quinto aniversário de atividades da Abraxas, a produtora e selo discográfico realizou seu primeiro festiival com apresentações no Rio de Janeiro e São Paulo. O EyeHateGod, grupo veterano da cena Sludge norte-americana, foi a grande atração do cartaz, e finalmente fizeram sua estreia no Brasil em 30 anos de carreira. O Samsara Blues Experiment também esteve presente, regressando ao país após tour bem sucedida no ano passado. Aliás o trio alemão também fez apresentações em Tocantins e Brasília, na véspera dos shows com o EyeHateGod no Abraxas Fest.

Noala
Sabadão, 13 de Outubro, lá fui eu mais uma vez ao Fabrique no bairro da Barra Funda em São Paulo. Cheguei a tempo de conferir a primeira banda, o Noala, grupo da capital que pratica um estonteante sludge/doom experimental. Confesso que desconhecia a sua existência até serem anunciados como uma das bandas de abertura do festival. Fui logo atrás de seu primeiro longa duração, "Humo" (2013), disponibilizado na plataforma Bandcamp em opção Name Your Price. Fiquei no mínimo curioso com a proposta de estúdio, e satisfeito em conferir sua descarga sônica ao vivo. Em palco o quinteto conta com dois guitarristas que se alternam na função vocal, ambos em descargas vociferadas e invariavelmente intensas. Contam ainda com uma sólida cozinha baixo/bateria, e um 'dj' que comanda os efeitos e programações eletrônicas que pontuam os interlúdios, e os momentos mais experimentais do grupo. Intensos em sua brutalidade contida, criam uma atmosfera soturna e condizente com o expurgo de sentimentos de frustração e amargura. Fizeram uma sólida apresentação, com direito a discurso pertinente após a última música. Um dos guitarristas, o único negro da banda, e provavelmente um dos poucos negros presentes no recinto, alertou para o momento conturbado vivido no País, que em véspera de eleição, carece de empatia e inclusão. O grupo também tocou músicas de seu novo álbum homônimo, lançado este ano, e disponibilizado pela Onerpm nas principais plataformas digitais.

Nossat, guitarra e voz do Into The Dust
Na sequência veio o Into the Dust, diretamente de Gama (Brasília), coletivo também conhecido pelas iniciais ITD e pela sonoridade arrastada e soturna, calcada nos pilares doom outrora erguidos por bandas como Black Sabbath e Saint Vitus na década de 70. Com duas demos e dois Ep's na bagagem, dão pisadas firmes rumo ao primeiro longa duração. O quarteto liderado pelo guitarrista/vocalista Nossat mostrou força e potência ao vivo, apresentando com exatidão seu repertório lento e pesado. A dado momento, Nossat faz um agradecimento especial ao baterista Humberto, que conseguiu chegar na hora do show após uma viagem de 14 horas de ônibus. A intensa descarga musical foi vagarosamente hipnotizando o público, que por sua vez era impedido de entrar em transe com o registro vocal imperioso e trovejante de Nossat. Apesar das canções serem lentas e longas, elas são bem construídas e captam a atenção para as letras, que em bom Português, traduzem a essência do caos e da escuridão, fazendo um equilíbrio interessante e original.

Christian Peter, guitarra, teclas e voz do Samsara Blues Experiment
Depois de duas intensas apresentações de aquecimento para a grande atração da noite, houve espaço para desobstruir a tensão acumulada com o stoner rock de contornos folk/psicodélicos do Samsara Blues Experiment. O trio alemão liderado pelo guitarrista/vocalista/tecladista Christian Peters, já é bem conhecido do público brasileiro, e foi ovacionado assim que pisou o palco para os ajustes pré-show. Tocaram apenas 5 canções, que somadas duraram cerca de 1 hora (!), cobrindo seus 3 últimos álbuns de estúdio. Instrumentalmente o trio é competente, mas a nível vocal ficou um pouco abaixo da expectativa. Não sei se por culpa da mesa de som, ou ao baixo protagonismo dela nas canções, mas o fato é que a voz de Christian não se destacou da massa sonora debitada em grande parte do  show. O público seguia absorvendo cada nota debitada em palco, com exceção de uma fã que se dirigiu ao técnico de som aos gritos, inconformada com tamanha indiferença em corrigir o problema. O fato é que a grande massa do público não pareceu se importar com esse "detalhe", muito mais interessada nos solos e improvisos instrumentais do trio. A minha maior crítica ao material apresentado, é que o mesmo poderia ser mais "enxuto", sem tantas repetições rítmicas. Certos momentos pareciam intermináveis, e consequentemente cansativos para quem não está familiarizado com a proposta da banda. Talvez por isso o meu destaque vai para a instrumental "Army of Ignorance", bem mais direta e pesadona. Dentre as mais longas (que ultrapassam os 10 minutos) destaco a ótima "Vispassana", retirada de seu mais recente trabalho "One With The Universe", um baita musicão, e provavelmente o mais progressivo da noite.

Mike Williams, voz do EyeHateGod
Por fim chegou a vez da atração principal, o EyeHateGod. Grupo de New Orleans, e talvez o nome mais sonante do sludge ainda em atividade no continente norte-americano. Confesso que foi um grupo que sempre me passou ao lado, muito embora admire várias bandas que os citam como grande influência. Claro que curto os riffs sabáticos, e a tonalidade negra e doomy de sua música, porém a costela punk meio desleixada da banda sempre me incomodou um pouco. De qualquer forma, eles estavam visitando o Brasil pela primeira vez em 3 décadas de carreira, e não tinha como não prestigiar o guitarrista Jimmy Bower (que gravou bateria em álbuns do Crowbar e Down) e o vocalista Mike Williams, que juntos formam o núcleo duro do EyeHateGod, os únicos remanescentes da formação original. Sem lançar material novo desde o homônimo de 2014, trouxeram ao Brasil um repertório que percorreu toda a sua discografia, privilegiando o aclamado "Take as Needed for Pain" de 1993, do qual tocaram 6 músicas. É claro que o grupo passou por muita coisa durante a carreira, mas é inegável a vitalidade que impuseram ao recrutar sangue novo para a seção rítmica, e desta forma seguir tocando o terror com seu som primitivo, sujo e cru. Jimmy Bower é um singular riff maker, simples e eficiente. Ele aprendeu bem as lições do mestre Tony Iommi, mas parece que faltou nas aulas de guitarra solo. O cara abdica de 2 cordas de seu instrumento, mas não abdica do seu cigarrinho em palco. Por outro lado, Mike Williams parecia um pouco distante, algo desconectado, mas foi fiel ao que dele se espera, com seus vocais rasgados e semi vomitados. O público, que em sua grande maioria era composto por fãs de longa data, pirou com sua apresentação. Eu, infelizmente não posso dizer o mesmo... achei monótono e cansativo, e acabei deixando o recinto ainda antes do encore. Esta foi uma daquelas raras noites, em que pude testemunhar performances mais interessantes de bandas nacionais na abertura em comparação com os gringos medalhões. Parabéns Noala. Parabéns Into The Dust. Parabéns a toda equipe da Abraxas que não poupa esforços em valorizar a música underground e original que se faz em nosso País. Obrigado por existir!

Jimmy Bower do EyeHateGod

Setlist EyeHateGod - 30th Anniversary Tour 2018

Agitation! Propaganda!
Jack Ass in the Will of God
Parish Motel Sickness
Blank / Shoplift
Lack of Almost Everything
Blood Money
Sisterfucker (Part I)
Sisterfucker (Part II)
Medicine Noose
Revelation/Revolution
Take As Needed For Pain
30$ Bag
New Orleans is the New Vietnam
Dixie Whiskey
White Neighbor
Left to Starve
Serving Time in the Middle of Nowhere

EyeHateGod encerrando o Abraxas Festival
 Texto e Fotos: Gustavo Scafuro

Nenhum comentário:

Postar um comentário